Ciência, Educação e Universidade

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Gandhi. Foto: Paulisson Miura

I. O papel da Educação nas ações para o desenvolvimento e o enfrentamento de problemas mundiais

No ano 2000, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu metas que devem ser atingidas pelos países até 2015, como forma de enfrentar os maiores problemas mundiais.  Tais metas constam na Declaração dos Objetivos do Milênio e foram chamadas de 8 Objetivos do Milênio – ODM (no Brasil, foi chamado de 8 Jeitos de Mudar o Mundo), listados abaixo com as suas especificações, retiradas do site da ONU destinado ao programa:

1.      Acabar com a fome e a miséria: reduzir pela metade, até 2015, a proporção da população com renda inferior a um dólar por dia e a proporção da população que sofre de fome;

2.      Educação básica de qualidade para todos: garantir que, até 2015, todas as crianças, de ambos os sexos, tenham recebido educação de qualidade e concluído o ensino básico;

3.      Igualdade entre sexos e valorização da mulher: eliminar a disparidade entre os sexos no ensino em todos os níveis de ensino, no mais tardar até 2015;

4.      Reduzir a mortalidade infantil: reduzir em dois terços, até 2015, a mortalidade de crianças menores de 5 anos;

5.      Melhorar a saúde das gestantes: reduzir em três quartos, até 2015, a taxa de mortalidade materna. Deter o crescimento da mortalidade por câncer de mama e de colo de útero;

6.      Combater a AIDS, a malária e outras doenças: até 2015, ter detido a propagação do HIV/Aids e garantido o acesso universal ao tratamento. Deter a incidência da malária, da tuberculose e eliminar a hanseníase;

7.      Qualidade de vida e respeito ao Meio Ambiente: promover o desenvolvimento sustentável, reduzir a perda de diversidade biológica e reduzir pela metade, até 2015, a proporção da população sem acesso a água potável e esgotamento sanitário;

8.      Todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento: avançar no desenvolvimento de um sistema comercial e financeiro não discriminatório. Tratar globalmente o problema da dívida dos países em desenvolvimento. Formular e executar estratégias que ofereçam aos jovens um trabalho digno e produtivo. Tornar acessíveis os benefícios das novas tecnologias, em especial de informação e de comunicações.

Dentre tais objetivos, ressalta-se a importância da Educação como via para o desenvolvimento dos países e a eliminação dos problemas mundiais.

No entanto, em seu Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos de 2013: Ensinar e Aprender para o Desenvolvimento, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) analisa que “à medida que o prazo de 2015 se aproxima, fica claro que progressos consideráveis têm sido alcançados desde que os objetivos da EPT (Educação Para Todos) e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio foram estabelecidos, no entanto, essa tarefa ainda não foi concluída” e afirma, em sua apresentação sobre o relatório 2013-2014, que “muitos países não conseguirão alcançar os objetivos de Educação Para Todos até 2015”. Cabe ressaltar que o Brasil está entre os 53 países que “ainda não atingiram e nem estão perto de atingir os Objetivos de Educação para Todos até 2015”.

O Marco de Ação de Educação para Todos (EPT) é um acordo firmado, durante a Conferência de Dacar, também em 2000, entre os países membros da ONU com o objetivo de ampliar as oportunidades educacionais para as crianças, jovens e adultos até 2015, “reconhecendo que as desigualdades educacionais eram inaceitáveis”.

De acordo com a Representação da UNESCO no Brasil, os Objetivos da Educação Para Todos no país são:

1.      Ampliar e aperfeiçoar os cuidados e a educação para a primeira infância, especialmente no caso das crianças mais vulneráveis e em situação de maior carência;

2.      Assegurar que, até 2015, todas as crianças, particularmente as meninas, vivendo em circunstâncias difíceis e as pertencentes a minorias étnicas, tenham acesso ao ensino primário gratuito, obrigatório e de boa qualidade;

3.      Assegurar que sejam atendidas as necessidades de aprendizado de todos os jovens e adultos através de acesso equitativo a programas apropriados de aprendizagem e de treinamento para a vida;

4.      Alcançar, até 2015, uma melhoria de 50% nos níveis de alfabetização de adultos, especialmente no que se refere às mulheres, bem como acesso equitativo à educação básica e contínua para todos os adultos;

5.      Eliminar, até 2005, as disparidades de gênero no ensino primário e secundário, alcançando, em 2015, igualdade de gêneros na educação, visando principalmente garantir que as meninas tenham acesso pleno e igualitário, bem como bom desempenho, no ensino primário de boa qualidade;

6.      Melhorar todos os aspectos da qualidade da educação e assegurar a excelência de todos, de forma a que resultados de aprendizagem reconhecidos e mensuráveis sejam alcançados por todos, especialmente em alfabetização lingüística e matemática e na capacitação essencial para a vida.

Em seu Relatório de 2013, a UNESCO reitera que “ensino e a aprendizagem são fundamentais para o desenvolvimento em um mundo em rápida transformação”, reforçando o papel constitutivo da Educação como uma ferramenta de superação dos problemas sociais, econômicos e políticos mundiais, e ressaltando o seu poder na “promoção do desenvolvimento equitativo”:

A educação pode empoderar esses grupos vulneráveis, incluindo aqueles em desvantagem devido ao seu sexo, riqueza, etnia ou língua e ajudá-los a compartilhar os benefícios de resultados positivos do desenvolvimento.

A educação, como um fornecedor de valores, é uma maneira chave para promover a coesão social e conferir benefícios sociais mais amplos. A educação de qualidade promove a tolerância, a paz e a segurança, e pode apoiar a boa governança e resultados democráticos mais amplos.

Segundo o “Relatório de Monitoramento de Educação para Todos Brasil 2008 Educação para todos em 2015: Alcançaremos a meta?”, a UNESCO “vem exercendo suas funções colaborando com os países na formulação de suas políticas educacionais, desenvolvendo e difundindo meios inovadores e materiais sobre temas pertinentes à educação e intermediando parcerias entre financiadores, atores públicos, privados e não-governamentais para garantir melhor coordenação de esforços”

II. O papel da Educação no ensino superior

Embora tais relatórios não citem a situação do ensino superior nos países membros que firmaram os acordos referentes à Declaração dos Objetivos do Milênio e ao Marco de Ação de Educação para Todos, e não reflitam a sua importância como ferramenta para combater os problemas globais, construindo novas formas de conhecimento com a participação das comunidades, é interessante refletir um pouco e investigar o papel das universidades no que se diz respeito à visão da Educação, em seu caráter constitutivo, por meio da qual os desafios presentes nas sociedades podem ser superados, atingindo assim os objetivos necessários para uma transformação do atual cenário do mundo.

Convém assim citar o Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI – Educação Um Tesouro a Descobrir, de 1996. De acordo com essa Comissão, presidida pelo político francês Jacques Delors, a Universidade tem de superar “o confronto entre duas lógicas que é costume opor sem razão: a lógica do serviço público e a do mercado de trabalho” para então reencontrar “o sentido de sua missão intelectual e social no seio da sociedade como uma das instituições que garantem os valores universais e do patrimônio cultural”. Ressalta ainda o papel das universidades dos países em desenvolvimento, “que devem levar a cabo pesquisas que possam contribuir para a solução dos seus problemas mais graves”, propondo “novas perspectivas de desenvolvimento que levem à construção de um futuro melhor para os seus países”.

Para o Relatório,

“A educação deve transmitir, de fato, de forma maciça e eficaz, cada vez mais saberes e saber-fazer evolutivos, adaptados à civilização cognitiva, pois são as bases das competências do futuro.” (pág. 89)

A Comissão afirma ainda que “à educação cabe fornecer, de algum modo, os mapas de um mundo complexo e constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a bússola que permita navegar através dele” na adaptação de um mundo em mudança. Para isso, ela então postula os Quatro Pilares da Educação (nos quais a educação ao longo da vida se baseia): aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser, assim formulados:

  1. Aprender a conhecer: esse tipo de aprendizagem visa a aquisição e o domínio dos próprios instrumentos do conhecimento que podem ser considerados como um meio e como uma finalidade da vida humana, de forma que cada criança tenha acesso, de forma adequada, às metodologias científicas, podendo assim se tornar para toda a vida “amiga da ciência”. No que se diz respeito aos ensinos secundário e superior, sua formação deve fornecer a todos os alunos instrumentos, conceitos e referências resultantes dos avanços das ciências e dos paradigmas do nosso tempo. Assim, aprender a conhecer pressupõe a aprendizagem da memória e do pensamento, exercitando a atenção.
  2. Aprender a fazer: tal aprendizagem está relacionada ao aprendizado do conhecimento, estando, no entanto, ligada à questão da formação profissional – não significando, contudo, o preparo das pessoas para a execução de uma tarefa material bem determinada. Aprender a fazer visa então uma participação formal ou informal no desenvolvimento, constituindo-se, assim, mais como uma qualificação social do que de uma qualificação profissional.
  3. Aprender a viver juntos (aprender a viver com os outros): este é um dos maiores desafios da educação. Tal aprendizagem dialoga com a concepção de uma educação que seja capaz de evitar os conflitos, ou resolvê-los de maneira pacífica, desenvolvendo o conhecimento dos outros, das suas culturas, da sua espiritualidade. Para isso, seria necessária a descoberta progressiva do outro, além da participação em projetos comuns, como um método eficaz para evitar ou resolver conflitos latentes. Cumprir-se-ia assim o que se tem como uma missão da educação: transmitir conhecimentos sobre a diversidade da espécie humana e, por outro, levar as pessoas a tomar consciência das semelhanças e da interdependência entre todos os seres humanos do planeta.
  4. Aprender a ser: este tipo de aprendizagem postula que a educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa — espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal, espiritualidade. Todo ser humano então deve ser preparado para o pensamento autônomo e crítico, estando apto para formular os seus próprios juízos de valor e capacitado para agir nas diversas circunstâncias da vida.

No dia 9 de outubro de 1998, Paris (FRA) sediou a Conferência Mundial da Educação Superior, da UNESCO. Como resultado dessa conferência, foi divulgada a Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI: Visão e Ação – 1998.

Embora já se tenham passados 16 anos da publicação do documento, a Declaração faz uma ampla reflexão que se mostra presente no debate da situação da Educação Superior ainda hoje:

“Devido ao escopo e ritmo destas transformações, a sociedade tende paulatinamente a transformar-se em uma sociedade do conhecimento, de modo que a educação superior e a pesquisa atuam agora como componentes essenciais do desenvolvimento cultural e socioeconômico de indivíduos, comunidades e nações. A própria educação superior é confrontada, portanto, com desafios consideráveis e tem de proceder à mais radical mudança e renovação que porventura lhe tenha sido exigido empreender, para que nossa sociedade, atualmente vivendo uma profunda crise de valores, possa transcender as meras considerações econômicas e incorporar as dimensões fundamentais da moralidade e da espiritualidade.

É com o objetivo de prover soluções para estes desafios e de colocar em movimento um processo de profunda reforma na educação superior mundial que a UNESCO convocou a Conferência Mundial sobre a Educação Superior no Século XXI: Visão e Ação”.

A partir desta Conferência, a linha de ação para a renovação e reforma do ensino superior foi formulada dentro das propostas abaixo:

  • ampliação do acesso e garantia do desenvolvimento da educação superior como um fator importante do desenvolvimento, um bem público e um direito humano;
  • promoção da renovação e reforma de sistemas e instituições tendo em vista ampliar a qualidade, a relevância e a eficiência, mediante vínculos mais estreitos com a sociedade, notadamente o universo do trabalho;
  • garantia de recursos e financiamento adequados – públicos e privados – compatíveis com o aumento das demandas feitas pela sociedade à educação superior, em conjunto e por todos os interessados;
  • promoção da cooperação internacional e das parcerias.

A partir das reflexões sobre a Educação e como através dela pode-se cumprir um papel social e o desafio de construir formas de transformação do mundo e superação dos problemas globais, a construção de uma universidade (no que se diz respeito ao ensino superior) mais próxima da sociedade, assim como a própria expansão do alcance das universidades, o caráter de suas pesquisas e o seu financiamento, vão ganhando cada vez mais espaço no centro desse debate.

Em 2003, a UNESCO lançou o Relatório Sintético Sobre As Tendências E Desenvolvimentos Na Educação Superior Desde A Conferência Mundial Sobre A Educação Superior (1998-2003) como forma de identificação e mapeamento, após as diversas reuniões e seus documentos oficiais (relatórios e declarações), dos problemas enfrentados e das tendências do planejamento e do desenvolvimento da educação superior, traçando os seus novos desafios:

“Nunca na história da humanidade o bem-estar das nações dependeu de forma tão direta da qualidade e da abrangência dos sistemas e instituições de educação superior. A maior globalização das economias, do comércio e dos serviços fez da educação superior uma necessidade de primeira ordem para todos os países que querem vencer os seus desafios. Os dados disponíveis e os indicadores do desenvolvimento apóiam essa afirmativa de forma convincente. Na estratégia de prosseguimento do trabalho feito pela Conferência Mundial, é preciso levar em conta as formas como a educação superior e a pesquisa poderiam ser utilizadas de modo mais explícito na formação e avaliação dos indicadores de Desenvolvimento Humano do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas.” (pág. 101)

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) se constitui como mais uma iniciativa da ONU, configurando-se como uma rede de desenvolvimento global que tenta estabelecer parcerias com pessoas em todas as instâncias da sociedade “para ajudar na construção de nações que possam resistir a crises, sustentando e conduzindo um crescimento capaz de melhorar a qualidade de vida para todos”. O PNUD se foca nos seguintes desafios:

  • Governança Democrática
  • Redução da Pobreza
  • Prevenção de Crises e Recuperação
  • Energia e Meio Ambiente/Desenvolvimento Sustentável
  • HIV/Aids

Desde 1990, o PNUD estabeleceu o conceito de Desenvolvimento Humano (que serve como a base do Índice de Desenvolvimento Humano – IDH e do Relatório de Desenvolvimento Humano – RDH) para aferir o avanço na qualidade de vida da população de um país, considerando três dimensões básicas: renda, saúde e educação.

O reconhecimento da importância da educação superior dentro do processo de fortalecimento estrutural e de superação de problemas sociais dos países em desenvolvimento é outro fator ressaltado nestes documentos oficiais como uma forma de superar “o hiato que separa esses países do mundo desenvolvido, em termos de conhecimento e pesquisa, e os habilita a enfrentar os desafios da globalização”.

“Infelizmente, embora percebam a importância da educação superior e da pesquisa para o desenvolvimento sustentável, e estejam prontos para esforçar-se nesse sentido, os países em desenvolvimento não têm condições de garantir o desenvolvimento da sua educação superior e pesquisa na escala e com a urgência que se fazem necessárias. É preciso criar um Programa para o Desenvolvimento e Cooperação na Educação Superior, de caráter global, baseado em fortes compromissos assumidos pelos governos nacionais e a comunidade internacional, com claros objetivos e prioridades, semelhantes aos que foram estabelecidos no programa Educação para Todos”. (pág. 103)

Os cinco maiores sistemas nacionais de educação superior são os dos seguintes países: China, Estados Unidos, Índia, Federação Russa e Japão. Em relação ao Brasil, as desigualdades sociais existentes no país afetam diretamente as condições de acesso ao ensino superior e à educação como um todo. Para a Representação da UNESCO no Brasil, são perceptíveis a relação entre as desigualdades nas condições de acesso à educação e “os resultados educacionais das crianças, dos jovens e dos adultos brasileiros, penalizando especialmente alguns grupos étnico-raciais, a população mais pobre e do campo, os jovens e adultos que não concluíram a educação compulsória na idade adequada”.

“Grandes desigualdades raciais e étnicas continuam existindo na sociedade brasileira (especialmente com relação a alguns grupos específicos, tais como a população indígena, a população afrodescendente, os quilombolas, a população carcerária e a população rural).

A literatura especializada mostra que há forte correlação entre a origem étnica e as oportunidades educacionais. Estas coexistem lado a lado com desigualdades sociais e regionais, contribuindo, assim, para a exclusão educacional de um número considerável de jovens e adultos”.

Para superar essas dificuldades, o governo brasileiro vem se esforçando na criação de programas de ações afirmativas e de outras políticas públicas, tendo como objetivo a expansão e a reestruturação das universidades brasileiras e visando combater justamente as desigualdades sociais e outros desafios e problemas enfrentados pela área da educação superior no país.

III. Universidade, Pesquisa e Extensão

Em 30 de junho de 2008, Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil na época, em conjunto com o seu então ministro da Educação Fernando Haddad, decretou a instituição do Programa de Extensão Universitária (PROEXT), que estaria destinado a apoiar instituições públicas de educação superior no desenvolvimento de projetos de extensão universitária, com o objetivo de ampliar sua interação das comunidades científicas das universidade com as comunidades e a sociedade brasileira.

agosto 27, 2014

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