Perseguições Políticas a Céu Aberto

A vontade de escrever esse texto vem de uma roda de conversa que eu estive no começo do ano na Cryptorave, evento aberto sobre segurança, criptografia, hacking, anonimato, privacidade e liberdade de rede, chamada “Vigilância e repressão de ativistas no Brasil”, nela o coletivo Escola de Ativismo convidou pessoas que foram diretamente atingidas por ações de vigilância e repressão, durante seu trabalho como defensores de direitos humanos, a contar sobre suas experiências. Um dos casos era de um jornalista, que em 2013, teve seu equipamento, sem nenhum mandado e sem qualquer justificativa legal, apreendido enquanto cobria uma ação de desocupação de indígenas Terena em uma fazenda e sofreu diversos assédios durante o processo judicial.

Os relatos dos ativistas da mesa escalavam a partir dessas mesmas características, contando suas experiências impactadas infiltrações, grampos, rondas virtuais e apreensão de equipamentos ao atuar na defesa de direitos humanos.

É possível supor que esses acontecimentos não foram exclusivos mas representam um levante ofensivo que vem acontecendo por parte das esferas do Estado e que vem aprimorando e sofisticando seus meio de vigilância, repressão e construindo um mapeamento ideológico avante a criminalizar movimentos sociais ao longo do território nacional. Através desse ensaio eu procuro expor alguns casos que foram reportados ao longo desses anos afim de traçar um panorama da situação atual sobre essa questão e delinear um entendimento dos motivos que ratificam ações de repressão que tem acontecido e os caminhos que estamos levando sobre essa problemática.

Divergências à ordem e progresso

O movimento de ocupação de escolas teve seu primeiro levante em 2015 quando protestavam contra a reestruturação do sistema educacional estadual. A medida previa o fechamento de quase 100 escolas e o remanejamento de 311 mil alunos e 74 mil professores. E voltou em 2016 contra a corrupção do governo estadual acerca do fornecimento da merenda. As ocupações escolares representam um grande perigo para um Estado conservador, é um levante de estudantes que reivindicam seus direitos e desafiam máfias de superfaturamento e propina ao apropriarem-se do espaço escolar. Com resquícios de ditadura militar, relatos dos estudantes sendo intimidados e assediados por agentes de Estado se tornaram-se cada vez mais comuns desde o inicio das ocupações em 2015.

 “Segundo os relatos, algumas vezes os policiais se limitavam a exibir sua presença: luzes de viatura piscando, fardas e armas à mostra, à distância, sem falar nada. Em outras, paravam para revistar os estudantes. E havia ocasiões em que resolviam deixar uma mensagem mais explícita. Um menino de 17 anos afirma que recebeu uma dessas mensagens numa noite de abril ao deixar a ocupação no Paula Souza: “Um carro parou ao meu lado e dois homens saíram dele. Eles me agarraram e apontaram uma arma para mim. Disseram que sabiam quem eu era, onde eu morava e que, se eu voltasse de novo à ocupação ou participasse de algum protesto, iriam me matar”

O ecossistema tecnológico é um grande aliado a ativistas, a rede mundial de computares é uma plataforma poderosa para agregar pessoas e ideias em comum e veicular informações para além dos meios tradicionais de comunicação, e ativistas estão cada vez mais dependentes de ferramentas e plataformas digitais para exercer seu trabalho: computadores, telefones celulares, mídias sociais, câmeras digitais e outras soluções tecnológicas tornam-se indispensáveis para a mobilização social. Mas elas também acabam por interferir nessa mobilização pois servem como ferramentas de vigilância, identificação e assédio por parte do Estado, de grupos armados, empresas, comunidades e famílias.

Com relação a isso, é possível citar o ocorrido no caso dos 18 manifestantes presos pela polícia no Centro Cultural de São Paulo durante um protesto contra o presidente Michel Temer em setembro de 2016. Foram acusados pelo Ministério Público(MP) de organização criminosa e corrupção de menores, mas libertados depois de 24 horas por não haver nenhum ato infracional em que pudessem ser qualificados. Nenhum dos jovens tinha passagem pela policia, nem assumiam-se como adeptos das táticas de black blocs ou faziam parte de  alguma organização ou partido. A prisão teria sido arquitetada pelo capitão do exército William Botelho, que teria infiltrado-se no grupo para mapear as manifestações realizadas por movimentos sociais durante os Jogos Olímpicos no Brasil. Balta ou Baltazar Nunes, como era conhecido, se aproximou dos jovens  através de um aplicativo de relacionamentos chamado Tinder, logo criando laços de amizade e confirmando presença nos eventos criados no Facebook que convocavam para as manifestações anti-Temer. Seu trabalho como agente infiltrado consistia em utilizar das mídias sociais para identificar quem estava ligado ás manifestações.

Seguindo a mesma linha de infiltração, pode ser citada também a condenação de 23 manifestantes que participaram de protestos entre 2013 e 2014. A sentença envolve uma série de crimes, entre eles formação de quadrilha, corrupção de menores, dano qualificado, resistência, lesões corporais e posse de artefatos explosivos. O julgamento foi baseado em provas obtidas por agentes policiais e membros do sistema da justiça que fizeram um mapeamento dos meios de comunicações utilizado por esses manifestantes. As provas no inquérito são fundados em trechos de reportagens tendenciosas, curtidas em páginas do Facebook e amizades nas redes sociais que tentavam relacionar e identificar os investigados. Um depoimento que baseou o julgamento foi o de Maurício Alves, sargento da Polícia Militar do Distrito Federal –

“Entre março e julho de 2014, espionou ativistas, manteve relações com jovens cariocas e escreveu diversos relatórios de inteligência para seu comandante, lotado no Centro Integrado de Comando e Controle (CICC) do Rio. Ia a manifestações e filmava com seu celular, transmitindo as imagens ao vivo para o CICC, onde diversas forças – como Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Federal e Abin – se reuniam para preparar o esquema da Copa do Mundo. Do prédio espelhado, seus comandantes podiam mandar a PM aos lugares certos para dispersar os manifestantes com pistolas Taser, bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha. Além disso, Maurício monitorava o Facebook de manifestantes, ajudava a polícia civil a identificá-los e, por ordens de seus superiores, deu um depoimento que baseou um inquérito em que 23 ativistas são acusados do crime de “quadrilha armada”.

Todo esse aparato de inteligência e infiltração tem sido justificado nos tribunais através de brechas na legislação, como a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e a Lei 12.850/2013, que define organização criminosa e determina parâmetros para a investigação criminal como cita esta matéria da APublica –

“Ao analisar a legislação de vigilância e privacidade no Brasil, a advogada Joana Varon, diretora da organização Coding Rights, concluiu que há motivos para preocupação. Ela destaca, além das já citadas, a Lei Antiterror, e também a resolução 596/12 da Anatel, que obriga as empresas de telefonia a permitir acesso a aplicativos, sistemas, recursos e facilidades tecnológicas utilizados por elas “para coleta, tratamento e apresentação de dados, informações e outros aspectos”. “Todo esse cenário, aliado a grandes investimentos e importações de equipamentos e treinamentos, instrumentalizou o governo para práticas de vigilância bastante invasivas e em detrimento da privacidade dos cidadãos”, diz.”

Um aspecto relevante com relação a isso é a noção de cidade enquanto empresa, sempre em competição com outras cidades empresa em um mercado internacional de empresas, cidades disputem entre si para atrair capital financeiro, turistas, eventos. Como mesmo pinta o ex-prefeito João Dória a cidade de São Paulo.Diante dessa transformação da cidade que passa a ser concebida como uma empresa passa a ser planejada estrategicamente, só é aceito o que interessa ao capital por isso instaura-se o estado de exceção, as normas e regras limitam a livre circulação do capital , diante da importância dos olhos voltados a esses eventos nacionais, qualquer agitação política vai ser encontrada com enorme aparato de repressão para que tudo pareça bem aos visitam. A nova cara da segurança no Brasil deve muito a esses eventos esportivos, como ainda cita a mesma matéria da APública –

“ Mais de 66% dos investimentos gigantescos feitos pela Secretaria Especial de Segurança em Grandes Eventos (Sesge), subordinada ao Ministério da Justiça, de cerca de R$ 1,17 bilhão, foram usados para a construção do aparato de controle, integração e monitoramento de proporções nacionais. A promessa era deixar como legado dos Jogos um país mais seguro, com forças mais capacitadas para combater os problemas cotidianos. Os CICCs são unidades que reúnem diversas forças policiais no mesmo prédio, dotado de tecnologias como videowall, mesa tática com mapas 3D, telões de LED e acesso a imagens de centrais móveis, helicópteros ou balões dotados de câmeras e gravadores de som. Depois da Copa, foram doados para as secretarias estaduais e são comandados, basicamente, pelas polícias militares.”

E todo esse investimento custa muito caro ao nosso governo para ser apostado nas mesmas táticas que há anos não mostram resultados significativos a população –

“O governo brasileiro sempre enfatizou que a segurança dos grandes eventos ia melhorar a segurança pública em geral no Brasil”, diz o pesquisador alemão Dennis Pauschinger. Pauschinger fez sua tese de doutorado sobre a segurança em grandes eventos e passou longos períodos no CICC do Rio como  observador durante a Copa e a Olimpíada. “Eu acho que os investimentos tecnológicos e materiais e essa filosofia de integração não deram conta de realmente atender àquilo que é necessário para mudar a segurança pública no país para melhor.”

“Nossa sociedade não é de espetáculos, mas de vigilância.” – Michel Foucault

É importante olhar para o passado para entender o futuro, olhar para a história criticamente e aprender com ela. Hoje podemos pensar que as prisões estão mais humanas do que á séculos atrás, em que as pessoas eram publicamente enforcadas em praça pública, porém não é bem assim. Michel Foucault, filósofo francês contemporâneo interessado nas relações de poder em nossa sociedade, argumentava que na , o poder parece menos cruel mas não é, quando no passado evidentemente não era, consequentemente podendo encorajar rebeliões e protestos já que os corpos expostos poderiam servir de martyr. Com a prisão moderna, tudo acontece no privado, não há mais como assistir o que acontece, logo, resistir.

O estado moderno garante o controle do seus cidadãos não mais através de somente força física mas principalmente de força psicológica. Tal qual o Panoptico(“o olho que tudo vê”) de Jeremy Bentham no século 18, um sistema prisional que consiste em uma estrutura circular com uma torre central que poderia ver os presos em suas celas , porém os presos não veriam quem poderia estar vigiando-os, a teoria é que os prisioneiros assumiriam que estão sendo observados  e agir com conduta sem mesmo precisar ter guardas. Logo não se trata apenas da estrutura física mas tal configuração arquitetônica mostra-se como uma tecnologia de poder, induzindo um estado inconsciente de permanente visibilidade estimulando, inclusive, indivíduos a internalizar aqueles que os vigiam, garantindo o funcionamento automático do poder. Por ser flexível e ramificável esta tecnologia pode, então, transbordar para outros ambientes, sendo usada em hospícios, hospitais e escolas.

O panoptico transmutado para o cenário atual age nas mesmas técnicas de pressão psicológica através do da perseguição policial a serviço da ordem, de utilizar-se do fenômeno da pós-verdade para pintar manifestantes como terroristas e colocá-los uns contra os outros,  de um aparato em massa de vigilância, atua intimidando estudantes na porta de suas casas, invadindo computadores e grampeando telefones.

Papel da Mídia

Os movimentos sociais por reivindicar direitos básicos, tensionam a hegemonia e a elite conservadora liberal – que recebe apoio ideológico do Estado, you can try this out. Aqueles que se opõem ao trabalho desses ativistas procuram fechar o espaço para associação livre e pacífica, comunicação, expressão, organização e apoio de sobreviventes de violações de direitos humanos.

A partir dessa internalização de vigilantes que a tecnologia do panoptico toma o nosso inconsciente. O papel da mídia na construção do imaginário da população acerca dos movimentos sociais é crucial para a narrativa de criminalização dos movimentos sociais.

Mídia, do latim, medium, que significa meio ou forma, Dena (2008) define mídia como podendo ser uma indústria, uma mensagem ou experiência. Se entendida como indústria, trata-se do mercado midiático que tem o intuito de criar e difundir conteúdo em informação.

“A mídia, por seu papel na massificação da informação, tem influência na formação da opinião popular. Com este poder em mãos, os detentores dos meios de comunicação, em alguns casos, veiculam notícias que não condizem com a realidade, omitindo fatos importantes para a compreensão do ocorrido.”

É necessário neutralizar esses movimentos sociais para que não avancem em suas reivindicações de direitos básicos e incomodem a elite. É usado de fake news e do fênomeno da pós-verdade para enquadras tais movimentos como “marginais” e “inimigos da nação”, um autor mais recente que expõe essa as técnicas usadas na sociedade de vigilância, é o Andrew Korybko, jornalista na Sputik News, em seu livro Guerras Híbridas,-

“Lind também previu que haveria maior ênfase na guerra da informação e em operações psicológicas, o que está de pleno acordo com o modus operandi das revoluções coloridas. Ele escreve: As operações psicológicas podem tornar a arma operacional e estratégica dominante assumindo a forma de intervenção midiática/informativa […] O principal alvo a atacar será o apoio da população do inimigo ao próprio governo e á guerra. As notícias televisionadas se tornarão uma arma operacional mais poderosa do que as divisões armadas.”

Mais segurança significa menos privacidade?

Subestimamos a quantidade de informações que produzimos todos os dias e essencialmente o seu valor, 73% dos brasileiros não sai de casa sem celular, isso significa que carregamos um GPS ambulante, que é possível saber cada passo dados ao longo do dia e quanto tempo ficamos em tal lugar. É muito comum aplicativos de diversos tipos recolherem nossos dados quando instalados em nossos celulares e venderem esse material para publicitários.

Nós damos nossos dados facilmente á empresas, apenas ao navegar em redes sociais, geramos um aglomerado enorme de informações que são usados para nos vender produtos. Nossas subjetividades, desejos, atenção e afetos estão sendo transformados em números afim de determinar nosso valor. Não importa necessariamente quem você é, você não precisa ser uma pessoa de interesse pois para as empresas você é apenas mais um algoritmo a ser vendido.

É com todo esse aparato e acesso a essas informações que acontece a construção da narrativa que corrobora para a criminalização dos movimentos sociais e enquadramento de manifestantes. Os rumos que o Brasil toma com seus mecanismos legais, com leis antiterroristas amplas e que dão margem a subjetividade, são utilizadas por autoridades policiais com o intuito de encarcerar e reprimir movimentos sociais, como já aponta o presidente eleito Jair Bolsonaro. Os processos de monitoramento digital que servem para construir big datas com nossas informações para vender á publicitários também ajudam a vigilância daqueles que perseguem os defensores de direitos humanos.

É necessário estar atento aos meio de comunicação e como a grande mídia retrata as manifestações políticas, perguntar-se á quem serve a mensagem ideológica que a grande mídia esta representando. Precisamos também dar a atenção adequada ás tecnologias digitais e dialogar seus impactos em nossas vidas com o intuito de proteger nossos dados, pois diante de um cenário tão critico e punitivo, qualquer um de nós pode ser fonte de ameaças por nossos ideias políticos.

É a cultura de guerra normalizada, como aponta o filósofo Giorgio Agambem neste trecho, que nos serve como referência:

“Não deveríamos surpreender-nos se hoje a relação normal entre o estado e os seus cidadãos é composta pela suspeita, pelo arquivamento policial e pelo controle. O princípio secreto que comanda a nossa sociedade pode ser assim formulado: todo o cidadão é um potencial terrorista. Mas que tipo de estado é este que se rege por um princípio desses? Podemos ainda designá-lo de estado democrático? Podemos ainda considerá-lo político? Em que tipo de estado vivemos hoje?”

 

novembro 28, 2018

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