Forma Livre + Linha

Texto e imagens do site www.plataforma.videobrasil.org.br.
Tradução por Adriana Duz.

“Ética e Estética, e a sua convergência, sempre direcionaram meu trabalho de pesquisa. Por um lado, há uma preocupação em esteticamente produzir um discurso que pareça crítico e auto-reflexivo em relação ao repertório estético das artes. Neste sentido, estou interessada em revisitar e reagir às formas estéticas que se tornaram institucionalizadas através do tempo, entendendo-as como as expressões ideológicas e políticas de certo contexto. Por outro lado, há uma preocupação ética – como essas “formas estéticas” são construídas e preservadas socialmente, e como elas operam suas estruturas de circulação.

Forma Livre é parte destes questionamentos. O vídeo é uma reflexão sobre como o discurso da modernidade no Brasil, com suas formas artísticas e Arquitetura presunçosas, se manifestaram na construção de Brasília, não apenas coexistindo mas também sendo alimentado por relações sociais e políticas extremamente arcaicas que remetem a nossa experiência colonial. Esta contradição é o ponto central desta obra. O movimento de opostos – modernização e passado arcaico, que, apesar de parecerem opostos, não se anulam – é o atrito que alimentou a produção desta obra.

Por seu lado, Linha, uma série de gravuras, delimita-se a considerar formas, neste caso a linha, além de sua concepção puramente estética. A obra tenta olhar a linha como uma construção política que condensa e concretiza as estruturas de poder e dominância, se revelando como um produto das relações sociais e econômicas. Revisitando os pontos principais da história do país, da divisão da América do Sul entre os portugueses e espanhóis durante a colonização até a construção da Rodovia Trans-Amazônica durante a Ditadura Militar, a obra faz uso dessa estrutura a fim de refletir sobre a organização política do território nacional.

Eu acredito que estes são trabalhos importantes para a minha trajetória, para o meu desenvolvimento, de um modo mais profundo, alguns questionamentos que eu tenho tido por algum tempo – como as conexões entre Arte-Política – e eles apontam para um novo horizonte de reflexão. Eles representam um momento em que a necessidade de situar historicamente as questões levantadas pelos trabalhos artísticos se tornou mais forte,  enquanto meus trabalhos anteriores contaram com uma crítica mais ampla, mais categórica.

Quando eu digo “situar historicamente”, não é uma “história linear” baseada na noção de causalidade, ou em uma falsa idéia de progresso; Eu quero dizer uma história que é construída retroativamente das urgências do presente. Neste sentido, o social, o cultural e o político interferem sobre o meu trabalho de forma direta – afinal, as formas nunca se separam de seus meios. Isso inclui tanto o contexto de produção como o contexto de circulação e recepção. Eu acredito que, para uma grande extensão, o trabalho do artista é se questionar e questionar o mundo de uma forma reflexiva. Sempre olhar para as novas coisas que o cercam, ao invés de problematizar a normalização destas, revelando criticamente as estruturas ideológicas que as sustentam. E esta habilidade de refletir, de interromper o fluxo, é precisamente o que lhe permite mudar politicamente o simbólico através de uma articulação crítica de formas e discursos, no sentido de desnaturalizar o que já é conhecido.

Em Forma Livre, especificamente, o cenário brasileiro era um fator crucial para a criação desta obra. A onda neodesenvolvimentista que se espalhou pelo Brasil nos últimos anos me permitiram olhar para a história nacional dos anos 50 e 60, e encontrar muitos paralelos. O senso de euforia em torno do futuro, o desenvolvimento e progresso econômico eram muito similares nesses dois pontos na época. E também o modelo de desenvolvimento nacional.

A obra, então, dialoga com narrativas contemporâneas e históricas. Nesta tentativa de construir uma história a contrapelo, para usar o termo de Benjamin, eu recorri a uma certa definição da história como construção, como plasticidade, passível de ser moldado pelo sujeito que enuncia. Neste sentido, é uma ficção documental, porque se trata de algo que já aconteceu, mas é passível de seus próprios processos construtivos.

A forma é um veículo que possibilita um divertimento crítico por parte do espectador. Este é o local onde as contradições e as problematizações podem se materializar. Eu procuro formas que carregam uma característica contraditória, isto é, uma certa linguagem, e ao mesmo tempo a sua negação ou oposição. Procurando por eles, eu acredito que é uma forma de criar lacunas que incitam o público a ter uma postura crítica no que diz respeito ao trabalho, ao invés de ter-me, a autora, entregando uma sentença de conclusão. ”

Clara Ianni em uma entrevista à PLATFORM:VB (Julho – 2015)

 

Linha | 2013, drawing

Duas partes focando nas discrepâncias entre discurso e ação, projeto e realidade, monumento e ruína. A série Linha investiga as linhas dentro de um contexto cartográfico, abordando elas como eventos políticos.

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Forma Livre | 2013, video

Em Forma Livre, Clara usa áudios de entrevistas com Oscar Niemeyer e Lucio Costa sendo questionados sobre os massacres que aconteceram em 1959, e trabalhadores que se rebelaram contra as condições desumanas de trabalho na construção da cidade de Brasília.

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Clara Ianni é uma artista visual. Ela explora as conexões entre Arte, Política e Ideologia usando vídeo, instalações e objetos, entre outras linguagens. O trabalho de Clara foi exibido na 31ª Bienal de Arte de São Paulo em 2014, no 33º Panorama da Arte Brasileira no MASP em 2013,  e da 12ª Bienal de Istambul, na Turquia em 2011, entre outras. Ela foi assistente de curadoria na 7ª Bienal de Berlim em 2012, e no Museu do Louvre de 2008 à 2009. Hoje ela vive e trabalha em São Paulo.

Para ver o texto original e as obras acesse http://plataforma.videobrasil.org.br/en/#formalivre.

 

agosto 9, 2016

  • Olá Observatório, interesso-me demais pelo trabalhode Clara Ianni, vivi em Brasília, cursei Arquitetura, então, além do apelo da obra pude experienciar seus espaços arquitetônicos. Poder dialogar com alguém que faz esta reconstrução histórica e crítica é motivador.
    Parabéns a Adriana, colaboradora do Observatório, que nos dá esta referência e indicação.
    Comparecerei, abraços.

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