Cinema: Fabrik Funk

Texto de Victória Pimentel
Fonte: Jornal da USP – Ano XXX Nº 1100

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“Se até há pouco tempo o futebol aparecia como uma das poucas possibilidades de ascensão social, hoje disputa espaço com o funk”, destacam as antropólogas Alexandrine Boudreault-Fournier, da University of Victoria em British-Columbia, no Canadá, Sylvia Caiuby Novaes, professora titular na USP e diretora do Centro Universitário Maria Antonia, e Rose Satiko Gitirana Hikiji, professora no Departamento de Antropologia da USP e coordenadora do Lisa (Laboratório de Imagem e Som em Antropologia da USP) e do PAM (Pesquisas em Antropologia Musical). As três professoras firmam uma parceria iniciada no ano passado com o curta Experiencing Mexico vs Brazil 2014 in Cidade Tiradentes, SP, e lançam nesta quarta o filme Fabrik Funk – A realidade de um sonho (25 min, 2015), sobre o fenômeno cultural do funk em suas diversas modalidades – música, dança, tecnologia, moda, consumo, entre outras –, mas especialmente como a formalização de um sonho de muitos jovens.
“No filme, nosso objetivo é mostrar a realidade de uma grande parcela da juventude paulista, a partir de uma história que, se é caracterizada como de personagens específicos, é extremamente recorrente nas periferias das grandes cidades brasileiras nos últimos dez anos”, explicam as diretoras. Uma realização do Laboratório de Imagem e Som em Antropologia da USP com apoio da University of Victoria e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a produção foi gravada em junho e julho do ano passado no bairro Cidade Tiradentes, na zona leste da cidade de São Paulo, onde está localizado o maior conjunto habitacional da América Latina. A partir da linguagem da etnoficção, a produção mistura documentário e ficção, de modo que questões prezadas pela antropologia possam ser tratadas “de uma forma mais sensível e partilhada”.

O filme e seus personagens são construídos a partir de experiências reais dos próprios atores que participam da produção. O roteiro parte da trajetória de Karoline, jovem que trabalha como operadora de telemarketing e que, encantada pelo universo glamouroso do funk, sonha em se tornar uma MC. Para construir a personagem, a atriz Karoline Cristina, também conhecida como MC Negaly, tomou a sua própria história como inspiração. Os produtores musicais Montanha e Negro JC também representam a si mesmos em Fabrik Funk. Os dois são sócios da Funk TV, produtora independente de Cidade Tiradentes que vem conquistando espaço no mercado e na internet com videoclipes e programas sobre o funk. Além disso, Montanha e Negro JC apresentaram às diretoras o MC Mini e os produtores DJ Bruninho e o DJ Formiga, do Studio FZR, que também participam do filme.
Salientar a independência das grandes gravadoras como um dos aspectos do fenômeno cultural do funk foi um dos objetivos das diretoras. “O funk é um gênero musical que se utiliza das novas tecnologias para se difundir e dispensa as tradicionais gravadoras. Em estúdios caseiros e bem equipados, uma legião de jovens MCs grava suas músicas, que são tratadas pelos DJs, lançadas no Youtube, amplificadas nas ruas das quebradas pelos alto-falantes dos carros tunados. Algumas estouram, com milhões de visualizações, garantindo um bom cachê para o MC nos bailes funk”, explicam. As filmagens tiveram locação no salão Black Power, de Daniel Hylario, que, além de atuar, também participa como coroteirista, ao lado das três diretoras, e como produtor local.
Além de enfatizar a produção musical que se dá dentro das periferias, bem como as aspirações dos jovens em participar desse fenômeno, as antropólogas procuram também levantar duas outras questões: o lugar que a mulher ocupa nesse mundo e os conflitos entre gerações e estilos de vida diversos. “Os enfrentamentos se dão no gosto musical – nossos protagonistas ouvem, além do funk, samba, pagode, gospel e rap –, nos hábitos de lazer e de consumo, nas formas de comunicação, nos sonhos e utopias de cada geração.”

Sinopse

Karoline é uma jovem que deseja uma vida mais excitante que seu cotidiano em uma central de telemarketing. Nas ruas de Cidade Tiradentes, o maior conjunto habitacional popular da América Latina, Karoline corre atrás do sonho de ser uma MC, neste lugar que é conhecido como uma Fábrica de Funk.

O filme é uma etnoficção que aborda o universo do Funk, prática que envolve música, dança, tecnologia, moda, mercado, e que tem se tornado um dos principais fenômenos culturais da juventude no Brasil.

Fabrik Funk é resultado de uma colaboração entre antropólogas da Universidade de São Paulo e da University of Victoria com moradores de Cidade Tiradentes, que atuam de diferentes maneiras na cena artística deste distrito.

Gravado em junho e julho de 2014, em Cidade Tiradentes/SP, e editado entre São Paulo/Brasil e Victoria/Canadá, em 2014 e 2015, o filme contou com apoio da FAPESP e da UVIC.

Ficha Técnica: Brasil/Canadá, 25 min, Cor, NTSC
Direção: Alexandrine Boudreault-Fournier, Rose Satiko Gitirana Hikiji e Sylvia Caiuby Novaes
Produção: Alexandrine Boudreault-Fournier, Rose Satiko Gitirana Hikiji, Sylvia Caiuby Novaes
Produção local: Daniel Hylario
Roteiro: Alexandrine Boudreault-Fournier, Daniel Hylario, Rose Satiko Gitirana Hikiji, Sylvia Caiuby Novaes
Fotografia: Alexandrine Boudreault-Fournier, Rose Satiko Gitirana Hikiji,
Fotografia (still): Sylvia Caiuby Novaes
Som direto: Noedy Hechavarria Duharte
Edição: Leo Fuzer
Design sonoro, trilha original e pós-produção de som: Ewelter Rocha, Mauro Darcio
Pós-produção de cor: Ricardo Dionisio
Arte (título): Marie-Josée Proulx
Transcrição: Davi Costa da Silva
Tradução: David Rodgers (inglês), Carmen Novo (francês)
Revisão: Nick Wees (inglês), Robert Fournier (francês)
Legendagem: Davi Costa da Silva
Projetos de pesquisa: Images and Sound Making: A Comparative and Collaborative Approach to Visual Anthropology (FAPESP-University of Victoria) e A Experiência do Filme na Antropologia (Projeto Temático FAPESP)
Grupos de pesquisa: Grupo de Antropologia Visual (GRAVI-USP), Pesquisas em Antropologia Musical (PAM)
Realização: Laboratório de Imagem e Som em Antropologia da Universidade de São Paulo (LISA-USP)
Apoio: FAPESP – Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo e University of Victoria

setembro 16, 2016

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