Ler ou Não-Ler: É só essa a questão?

 

A leitura é, sem dúvidas, um dos maiores atos de construção de cultura e cidadania do indivíduo na história da humanidade. Desde os primórdios dos homos, leitura e interpretação de eventos da natureza permitiram que nossos ancestrais se comunicassem por meio de pinturas rupestres e, com o passar do tempo, dominassem outras formas de escrita.

Magda Becker Soares (1998) define que “A leitura é interação verbal entre indivíduos, indivíduos socialmente determinados: o leitor, seu universo, seu lugar na estrutura social, suas relações com o mundo e os outros; entre os dois: enunciação e diálogo”. A leitura possui então diversos valores em nossa cultura, especialmente no quesito cidadania.

A palavra cidadania vem da palavra cidadão. No sentido original, a palavra cidadão vem de civitas, que em latim significa cidade. Cidadania é a condição de cidadão, e cidadão “é o indivíduo no pleno gozo de seus direitos políticos e civis”. Quando se fala a palavra cidadania ela está ligada a ideia de construção da consciência crítica, política e social do indivíduo. Portanto, a leitura possibilita a formação do cidadão e consequentemente a construção da cidadania, uma vez que por meio da leitura o indivíduo terá a possibilidade de construir novas relações com as informações presentes no espaço global de uma forma dinâmica, crítica e autônoma.

Ainda que algumas sociedades se mantenham vivas por meio de tradições orais, as sociedades contemporâneas ocidentais no geral estão pautadas no registro físico da língua. É fundamental para que o indivíduo exerça seu papel de cidadão de direito que ele tenha acesso à escrita e a leitura.

E não apenas o acesso físico ou digital aos conteúdos. Não basta termos muitos espaços de leitura, como bibliotecas, ou alta tecnologia, como kindle. É preciso que esses leitores tenham as condições mínimas para se ler um texto, como a alfabetização.

“Ah, mas isso todo mundo tem! ”

Segundo o IBGE, a taxa de analfabetismo da população com 15 anos ou mais de idade no Brasil estava em 7,0% em 2017. Isso representa um total de 11,5 milhões de brasileiros que não sabem ler ou escrever.

Uma vez que tenhamos o pré-requisito para se ler um texto, podemos abrir um leque de gêneros textuais que um cidadão pode ler: reportagens, crônicas, fábulas, romances, e-books, quadrinhos, fanfics, receitas de bolo, bula de remédio, ou qualquer outro texto que ele ou ela queira.

Mas só saber ler, é o suficiente? O indivíduo alfabetizado já está “autorizado” a ler qualquer texto?

Infelizmente, não.

As barreiras da leitura ultrapassam o papel e tomam vida na sociedade contemporânea. Dificuldades como:

Acesso físico: Até 2014, 115 cidades não contavam com uma biblioteca pública, e que as cidades que possuem, muitas vezes, a biblioteca está fechada ou com manutenção precária.

A falta de senso crítico e estranhamento do indivíduo com outros gêneros: assistir televisão ainda é o principal hábito do brasileiro em seu tempo livre. Até mexer no whatsapp é mais interessante do que a leitura.

A elitização da escrita: além do preconceito linguístico dominante na cultura brasileira, a chamada “alta literatura” faz uso de uma linguagem que não é familiar/compreensível pela maioria dos leitores, isolando o indivíduo do texto.

Diversos outros fatores extratextuais causam um afastamento entre o homem e o texto.

Contudo, há esperança: a internet foi um grande marco na democratização da leitura e é uma poderosa aliada nesse processo de leitura e escrita.

Aridelson Ferreira (2014) diz que “[…]. As redes sociais tornaram-se ferramentas poderosas na difusão de diversos conteúdos e assuntos, favorecendo a inteligência coletiva. ” Muitas pessoas registram, por meio da escrita, nas redes sociais seus sentimentos, impressões e episódios cotidianos. De uma forma informal e natural, essas pessoas praticam a leitura e escrita.

A leitura e a escrita no ciberespaço são dinâmicas, vivas e interativas. Em especial as redes sociais online têm estimulado aos seus usuários a lerem e escreverem mais. “[…]. Percebemos que a internet está possibilitando que os adolescentes escrevam mais. Uma escrita que é inseparável de uma leitura e se constitui configurando um novo gênero discursivo. ”, diz Maria Teresa Freitas (2009).

Com as mudanças culturais e de hábito ocorrendo cada vez mais rápido, é necessário que novas formas de ler/escrever surjam para atender esse universo vivo da leitura. E só podemos exercer nossos plenos direitos (e deveres) se estivermos conscientes de tais necessidades e dominarmos nossa própria língua.

Para encerrar, fica aqui com um bate-papo com Fernanda Cardeal, graduanda em Letras e bolsista pela CAPES no programa Residência Pedagógica.

 

Texto escrito por Lucas Rafael da Silva, estudante do curso de Letras da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, como parte da Aciepe “Os diferentes olhares para a cidadania, cultura e cidade intermediados pela web”.

 

Referências:

FREITAS, Maria Teresa de Assunção. A formação de professores diante dos desafios da cibercultura. In:__ Cibercultura e formação de professores. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.

FERREIRA, Aridelson. Leitura e escrita nas redes sociais. Revista Principia, João Pessoa, N° 25, Dezembro de 2014, p. 42- 50. Disponível em: <http://periodicos.ifpb.edu.br/index.php/principia/article/viewFile/171/140> Acesso em : 09 de ago. 2016.

SOARES, Magda Becker. Letramento – um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêtica, 199.

XIMENES, Sergio. Minidicionário da língua portuguesa. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Ediouro, 2000.

novembro 22, 2018

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